Rio, só que vermelho

Danielle Moraes
2 min readMar 1, 2024

--

Imagem: Morro dos Macacos, em Vila Isabel, de @felippecf88 por @macacosvive. O chão, o início e o fim.

O Rio que tá sendo comemorado hoje e que apareceu no meu feed por diversas pessoas nao é o meu Rio. Eu acho sempre muito curioso como as pessoas reduzem o Rio à zona sul, inclusive aquelas que dizem valorizar outros saberes e vivências. Acho que o que o Rio tem de mais pobre é - exatamente - a zona sul das novelas de Manoel Carlos.
Infelizmente (ou felizmente) o meu Rio não cabe nessa imagem de zona sul. Nesse Rio "bonito", higienizado, eugenizado, os menó são expulsos de ônibus por querer ir à praia, de um lado tem IPTU caro, do outro nem água encanada e o Estado só aparece de farda na bala. A linha, supostamente invisível, que divide essa cidade, é feita de corpos, vivos e mortos. De memórias, de sons, cheiros e tudo que transborda às margens que contém alguns.

No meu Rio sobra dor desde que o rio avermelhou com a primeira gota de sangue de quem já estava aqui antes. Sobra bala achada, sobram as faltas que a vida cobra, sobra confusão de guarda-chuva com fuzil. Parafraseando Tim Maia, nesse Rio, “se cobrir, vira hospício; se cercar, vira circo”; mas se torcer, pinga sangue.

Mas também sobra beleza. Sobram sorrisos, sobram cabelos loiros, bigodes na régua, malemolência de quem tem que sobreviver. Sobra já é ou já era, tem coordenador de samba e muita alegria, apesar de.
O problema do Rio é sua intensidade: tudo que tem de bom, tem de ruim, na mesma proporção. É o jogo do vai e vem da vida sendo vivida do jeito que dá. Das sobrevivências, das resistências e também, sem o menor pudor, das saliências. Nem só de oração se faz o caminho. Há de se gozar intensamente.
O Rio não tem o menor pudor, nem de nos amar, nem de nos matar. E nem a gente. Seguimos, ora afogados, ora arrastados e tentando respirar nesse lugar que nos emociona com sua beleza e nos estarrece com tantas lágrimas.

Viva o Rio do lado de cá.
E que um dia essa cidade nos dê mais do que nos tira.

*Esse texto foi escrito em 2022.

--

--

Danielle Moraes

Escrevo, componho e dou uns rolé po aí. Bacharel em Serviço Social, Mestra em Migrações, Inter-Etnicidades e Transnacionalismo pela Universidade Nova de Lisboa.